Nova York- No setor de saúde pública, existe uma tarefa bastante
frustrante: tentar de fazer com que as pessoas parem de fumar. Mesmo que os
pesquisadores combinem aconselhamento e incentivo com adesivos e gomas de
mascar de nicotina, poucos fumantes deixam o vício.
Recentemente,
porém, experimentadores italianos obtiveram mais sucesso com menos esforço. A
equipe, liderada por Riccardo Polosa da Universidade de Catania, recrutou 40
fumantes inveterados _ alguns haviam recusado uma vaga
no programa de tratamento contra o vício _ e ofereceram a eles apenas um
dispositivo já disponível nas lojas por US$ 50. O cigarro eletrônico, ou
e-cigarro, contém um pequeno reservatório com uma solução de nicotina líquida
que é vaporizada para formar um aerossol.
O usuário inala
e expele o vapor para obter um pouco da nicotina (e da sensação familiar
de trazer o cigarro até a boca) sem as substâncias nocivas presentes no
cigarro. No Brasil, o cigarro eletrônico foi proibido pela Anvisa desde 2009.
Após seis meses,
mais da metade das pessoas que realizaram o experimento haviam reduzido o
consumo habitual de cigarros em pelo menos 50 por cento. Aproximadamente um
quarto havia parado de fumar. Embora esse tenha sido apenas um estudo piloto de
pequenas proporções, os resultados coincidem com outras evidências animadoras,
reforçando a esperança de que os e-cigarros possam se tornar a ferramenta mais
eficaz já utilizada para reduzir o número de mortes devido ao tabagismo.
Contudo, há um
grupo forte trabalhando
contra essa inovação _ e não são os produtores de cigarros. Trata-se de uma
coalizão entre autoridades governamentais e grupos anti-tabaco que vêm
alertando sobre os perigos dos cigarros eletrônicos e tentando proibir as
vendas.
A controvérsia
faz parte do longo debate filosófico sobre políticas de saúde pública, com uma
estranha inversão de papeis. Nos Estados Unidos, no passado, os políticos
conservadores tendiam a apoiar políticas de abstinência ao lidar com problemas
como gravidez na adolescência e dependência de heroína, enquanto que os
liberais apoiavam estratégias de redução de danos como o incentivo ao controle
de natalidade e a distribuição de metadona.
Porém, quando o
assunto é nicotina, os apoiadores da abstinência tendem a ser mais liberais,
incluindo políticos do partido Democrático nos níveis estadual e federal,
que vêm tentando pôr fim às vendas e proibir o uso de cigarros eletrônicos em
locais onde o fumo é proibido. No seu entender, os fumantes que desejam fazer
uso de fontes alternativas de nicotina devem usar apenas produtos totalmente
testados, como a goma de mascar Nicorette e os adesivos prescritos, usando-os
apenas por um período breve, a fim de abandonar por completo a nicotina.
O FDA (órgão
que fiscaliza alimentos e medicamentos nos Estados Unidos) tentou pôr fim às
vendas de e-cigarros, considerando-os como "dispositivos para administração
de medicamentos" que não poderiam ser comercializados até que sua
segurança e eficácia fossem demonstradas em testes clínicos. A agência teve o
apoio da Sociedade Americana de Câncer, Associação Americana de Cardiologia, e
das organizações Campanha para Crianças Livres de Cigarro e Ações Sobre
Tabagismo e Saúde.
No ano passado,
os apoiadores da proibição perderam a batalha com a rejeição no tribunal, mas
continuam na briga por meio de propagandas dos supostos perigos do e-cigarro.
Eles afirmam que o dispositivo, assim como o tabaco sem fumaça, reduz o
estímulo para que as pessoas abandonem a nicotina e também pode ser a porta de
entrada no vício para jovens e não fumantes. Além disso, citam os alertas do
FDA de que diversas substâncias químicas presentes
no vapor podem ser "nocivas" e "tóxicas". Contudo, a
agência nunca apresentou provas de que os vestígios dessas substâncias façam
mal à saúde, e desprezou a menção de que vestígios similares das mesmas
substâncias podem ser encontrados em produtos aprovados pelo FDA, incluindo os
adesivos e as gomas de mascar com nicotina. A metodologia da agência e os
alertas emitidos foram duramente criticados em revistas científicas por Polosa
e outros pesquisadores, inclusive Brad Rodu, professor de medicina da
Universidade de Louisville, no Kentucky.
Rodu escreveu este ano na revista Harm Reduction sobre sua conclusão de
que os resultados do FDA "muito provavelmente não têm qualquer significado
para os usuários", pois a agência detectou as substâncias químicas
"em concentrações um milhão de vezes inferiores às que poderiam,
concebivelmente, afetar a saúde humana". Michael Siegel, professor da
Escola de Saúde Pública da Universidade de Boston, compartilha dessa conclusão.
"Fico
perplexo quando penso na razão do preconceito de grupos antitabagistas em
relação ao e-cigarro", afirmou Siegel. Segundo Siegel, a preocupação com o
risco hipotético representado por níveis ínfimos de várias substâncias químicas
presentes
nos e-cigarros não faz sentido, uma vez que se sabe que a alternativa é fatal.
Os cigarros contêm centenas de substâncias químicas, incluindo dezenas de
cancerígenos e centenas de toxinas.
Os dois lados
do debate concordam que o cigarro eletrônico deve ser estudado mais a fundo e
sujeito a uma regulamentação mais rigorosa, incluindo padrões de controle de
qualidade e proibição de venda a menores. Porém, os apoiadores da redução de
danos, entre eles a Associação dos Médicos de Saúde Pública e o Conselho
Americano de Ciência e Saúde, não veem motivos para impedir o uso dos e-cigarros
por pessoas adultas. O Colégio Real de Medicina, na Inglaterra, declarou que as
regulamentações impedindo a adoção dos dispositivos seguros de administração
de nicotina são "irracionais e imorais".
"A
nicotina em si não é perigosa", concluiu em 2007 essa associação de
médicos britânicos. "Se for possível oferecer a nicotina em uma forma aceitável
e eficiente enquanto substituta do cigarro, milhões de vida podem ser
salvas", afirma.
O número de
americanos que experimentaram o e-cigarro quadruplicou entre 2009 e 2010, de acordo
com os Centros de Controle de Doenças. A pesquisa dessa agência, realizada no
ano passado, descobriu que 1,2 por cento dos adultos americanos, ou
aproximadamente 3 milhões de pessoas, relataram ter usado o e-cigarro no mês
anterior.
"Os
cigarros eletrônicos podem substituir uma grande quantidade _ ou a maior parte
_ do consumo de cigarros nos Estados Unidos na próxima década", afirmou
William T. Godshall, diretor executivo da Smokefree Pennsylvania. Seu grupo
realizou campanhas pelo aumento dos impostos sobre os cigarros, pela proibição
do fumo em locais públicos, e por advertências com imagens fortes nos maços.
Contudo, em relação ao e-cigarro, ele diverge de muitos de seus antigos
aliados.
"Não há
evidências de que os e-cigarros já tenham causado danos a alguém", afirmou
Godshall , "ou de que jovens ou não fumantes tenham começado a
usá-los".
Em uma escala
de nocividade de 1 a 100, em que as gomas de mascar e os tabletes de nicotina
têm nocividade 1 e os cigarros, 100, ele estima que a nocividade dos e-cigarros
não ultrapasse 2.
Caso milhões de
pessoas trocassem o hábito de fumar pela inalação do vapor, isso representaria
um desafio para a opinião comum em relação ao movimento anti-tabagismo. A
redução do tabagismo é normalmente atribuída a políticas sociais paternalistas
e proibicionistas. Além disso, a redução é geralmente usada como justificativa
para a sanção a outros produtos,
como gorduras trans, sal, refrigerantes e hambúrgueres.
Contudo, as
reduções mais significativas nos índices de tabagismo nos Estados Unidos
ocorreram em décadas anteriores à de 1990, quando os peritos em saúde pública
se concentravam apenas em informar a população sobre os riscos. O declínio foi
mais lento nas duas últimas décadas, apesar da crescente elaboração de
programas de prevenção
do fumo e de táticas cada vez mais coercitivas: impostos punitivos, limites ao
marketing e à publicidade, proibição do fumo em escritórios, restaurantes e
quase todos os outros espaços públicos.
Cerca de 50
milhões de americanos continuam fumando, e isso não significa que sejam tolos
demais para perceber o perigo. Eles continuam fumando em parte devido a uma
realidade que as leis proibicionistas resistem em reconhecer: a nicotina é um
droga que traz benefícios. Pesquisadores (e fumantes) associam-na à redução da
ansiedade, do estresse e do peso, à diminuição do tempo de reação e ao aumento
da concentração.
"Chegou o
momento de sermos honestos com os 50 milhões de americanos e as centenas de
milhões de pessoas em todo o mundo que usam o tabaco", escreveu Rodu.
"Os benefícios que essas pessoas obtém a partir do tabaco são bastante
reais, e não ilusórios ou apenas resultante da eliminação periódica da
abstinência.
"Chegou o
momento de abandonarmos o mito de que o tabaco é destituído de benefícios e nos
concentrarmos em como é possível ajudar os fumantes a continuarem a obtê-los
com um método seguro de fornecimento", afirma.
Por The New York Times
abraços á todos.
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